Little Forest, que tal aprender a cozinhar? [Volume 2 - Final]



Em meados de agosto de de 2013 eu comentei sobre o primeiro volume do mangá Little Forest de Daisuke Igarashi, apresentando minhas primeiras impressões em relação à obra, ficando em aberto o segundo volume em virtude da ausência de tradução do japonês. Mas agora, após pouco mais de dois anos é hora de retornar até a pequena floresta acompanhando a vida campestre de Ichiko.



Na presente postagem proponho comentar sobre o segundo volume da aludida obra, sendo que recomendo encarecidamente que leiam a análise do primeiro volume Little Forest, que tal aprender a cozinhar? [Volume 1],  visto as informações contidas sobre o mangá e outros comentários que não serão repetidos na presente postagem, e pelo fato de que quase tudo que apresentei sobre a referida obra acabou por se aplicar ao segundo volume, sendo que uma postagem completa a outra.

Desde a análise do primeiro volume de Little Forest há dois anos, importante ressaltar algumas novidades referentes ao título ora analisado. O mangá Little Forest foi adaptado em dois filmes Live Action: Little Forest: Summer & Autumn (2014) Little Forest: Winter & Spring (2015). Nota-se que a divisão dos filmes segue a divisão dos dois volumes do mangá, quem sabe poderá aparecer no Blog algo sobre esses dois filmes. Outra novidade é que já há "Scans" nacionais traduzindo o mangá Little Forest para o português, assim como outras obras de Daisuke Igarashi, como Witches.





Lembrando que o título da obra "Little Forest" faz referência ao vilarejo agrícola onde a protagonista Ichiko mora, denominado Komori, literalmente pequena floresta. Em breve síntese, relembro também que os capítulos da obra são episódicos, todos nomeados com receitas típicas ou nem tanto da culinária japonesa.

Como mencionei na análise do primeiro volume, com o segundo não se mostrou diferente, todos os capítulos nomeados à uma determinada receita ou alimento possuem o modo de preparo e cultivo dos ingredientes inseridos nestes, desde animais, como peixes e patos até todo tipo de vegetais, visto a culinário japonesa se pautar majoritariamente no consumo de vegetais, como tomates, vários tipos de feijão, batatas doces, cebolas e outros vegetais menos conhecidos nativos do Japão e etc... 





Algumas receitas são bem interessantes, como o pão de batata, que é bastante consumido no Brasil, talvez feito de uma forma diferente claro, ou como uma espécie de pato que possui muitas utilidades, servindo para eliminar as pragas do arrozal, fertilizá-lo com suas fezes e servindo posteriormente como comida em um belo assado, destaque para o minucioso preparo do pato, desde a retirada das penas e vísceras até ser servido, destacando a minuciosidade do preparo, que é característico de todas as receitas apresentadas. Penso que tal capítulo pode chocar um pouco os mais sensíveis.

Também é um ponto interessante da obra certas informações e conselhos dados aos finais dos capítulos, como quanto ao uso de uma serra-elétrica, de um carrinho-de-mão, etc..., ou ainda quanto a maneira correta de cortas lenha, desde como segurar o machado até o ponto ideal onde mirar a machadada, a quantidade de força empregada. Mas mesmo entre esses conselhos há uma dose de poesia, visto que nas palavras da protagonista "cortar madeira é um diálogo entre a madeira e seu corpo".



Para Daisuke Igarashi não há assunto da vida no campo que não mereça ser abordado, inclusive em um destes comentários aos finais dos capítulos há a explicação de como Ichiko resolve a questão dos dejetos, visto que em sua pequena casa isolada não há sistema de esgoto, tendo que realizar uma limpeza pelo menos uma vez ao ano. Também não é deixado de lado a preocupação quanto ao local de descarte dos dejetos a fim de não prejudicar o solo, visto as fezes humanas não serem aptas para virar fertilizantes.

Tudo isto faz Little Forest ser uma obra tão especial para mim, nunca antes vi uma tão grande minuciosidade na descrição de todos os âmbitos da vida rual, desde o plantio de qualquer vegetal até sua colheita, como na questão dos animais, neve, irrigação e claro, quanto às receitas apresentadas. Tudo isto é reflexo do gosto de Daisuke Igarashi pela culinária e pela vida no campo que ele já havia exposto em outras obras suas. A culinária é realmente levada a sério, cada aspecto da receita é levado em consideração, bem como cada particularidade do sabor de cada ingrediente.




Sim, tais aspectos do campo são o ponto central deste curioso e nada usual "slice-of-life", entretanto, sendo a pequena vila "Little Forest" a principal protagonista, mesmo em segundo plano, o contexto humano de Ichiko foi bem abordado e pontuado ao longo dos dois volumes, sendo que embora sejam tais aspectos sociais abordados de forma casual e esporádica é possível nutrir empatia por sua personagem, visto ser o vetor de ligação entre o mundo rural apresentado na obra e o leitor.

Outro aspecto interessante que quero abordar nesta análise do segundo volume é o sentimento, ou melhor, a necessidade em preservar a cultura do interior do Japão, o modo de vida agrário familiar, sem o uso de maquinário e técnicas modernas. O primeiro passo para isso é justamente a propagação de informação, venha de onde for, sendo este mangá um meio de tornar público ao Japão cosmopolita certos aspectos da vida rural que passam despercebidos. Este tipo de abordagem também pode ser encontrada, por exemplo, no mangá Sumiyaki Monogatari, já apresentado pelo Blog.



Embora pouco, também é abordada a questão de criação de associações de produtores familiares onde há a troca de conhecimentos e produtos, centros de preservação de danças típicas, etc... Ações que auxiliam na preservação destes costumes que levaram séculos para se concretizarem mas podem desaparecer completamente em uma ou duas gerações, visto ser um problema não só no Japão mas em todo o mundo, o êxodo rural, onde se vê a necessidade de se criar incentivos como a criação de cursos e faculdades, bem como incentivo governamental para que as novas gerações não abandonem o campo. Tanto é que no próprio mangá é citado que o Estado deixa de lado os pequenos produtores, sendo que eles mesmo, primeiramente, devem se unir para sobreviverem e prosperarem.

Algumas ressalvas que faço da minha análise do primeiro volume é que, embora sejam episódicos, os capítulos, tirando os "flashbacks" seguem uma progressão das estações do ano, além de que os últimos capítulos seguirem uma sequência importante de acontecimentos na vida de Ichiko.

Eu havia dito que um dos maiores conflitos na vida de Ichiko era sua relação mal resolvida com a mãe, a qual a havia abandonado. Sim, no segundo volume esporadicamente sua relação com sua mãe ausente é melhor delineada, percebe-se que ela foi embora por um motivo indefinido, mas pode-se chegar a conclusão de que seja talvez por uma incompatibilidade com o lugar ou um desejo de conhecer lugares diversos, culminando em alguma espécie de insatisfação individual com o estado das coisas.



Agora irá haver alguns spoilers pontuais sobre o final da obra.

Tal situação com mãe foi retratada notoriamente em um capítulo no qual Ichiko relembra uma carta de sua mãe recebida quando completou 20 anos, o que mostra que mesmo ausente uma espécie de vínculo ainda se manteve. Entretanto Ichiko se mostra um tanto melancólica ao relembrar que sua mãe havia prometido que quando ela completasse 20 anos transmitiria a receita especial do pão de batata, sendo que não houve nenhuma menção quanto à receita na mencionada carta, o que culminou na insatisfação de Ichiko quanto ao cultivo de batatas, visto não conseguir reproduzir a receita.

Mas o mais importante foi a determinação de Ichiko em abandonar o cultivo das batatas não plantando as sementes para o próximo ano, tomando a decisão surpreendente de abandonar Little Forest. Não tão surpreendente assim, Ichiko já havia demonstrado certas vezes alguns dilemas pessoais no sentido de que seria Little Forest realmente o seu lugar e se queria levar viver naquela comunidade rural o resto de seus dias. Talvez tenha sentido o mesmo que sua mão em relação ao assunto, claro, que de uma forma menos irresponsável, visto não ter nenhum filho para que seja abandonado.




E o mais surpreendente ocorre, Ichiko abandona Little Forest, entretanto é possível perceber a situação de Ichiko e antever os próximos acontecimentos, tal viagem seria um modo de Ichiko encontrar a si mesma e descobrir o que seria melhor para sua vida, pois como poderia ter certeza que Little Forest seria o seu lugar se nunca conheceu outro? Tal situação se mostrou verdadeira. Muitas vezes essa divisão no "coração" de Ichiko era demonstrada, por exemplo, com analogias retiradas da natureza, como a divisão dos céus entre um belo azul sem nuvens e uma massa de nuvens de chuva prenunciando uma tempestade.

Cinco anos depois Ichiko retorna à Little Forest com a mente em paz, com uma grande animação, pois descobriu que aquele era o seu lugar, inclusive voltou casada! Bem como, voltou com a determinação de melhorar a qualidade de vida dos habitantes da pequena comunidade, encabeçando projetos de preservação da cultura local e desenvolvimento da agricultura familiar. Um final condizente com o encaminhamento da obra, o qual é uma grande caminhada da vida rural.

Fim dos spoilers.



Só pra finalizar, ao final do mangá, num capítulo extra o autor resolveu divulgar uma "one-shot" sua, a qual não possui ligação com o enredo do restante do mangá, contudo, mantém uma similaridade quanto ao tema, visto tratar de igualmente de uma jovem agricultora, a qual aborda o plantio e o cultivo de berinjelas e legumes derivados.

Embora Little Forest se diferencie de outras obras de Daisuke Igarashi por não haver fantasia propriamente dita, como na quase totalidade de suas obras, como Witches, o traçado característico, embora mais descontraído neste mangá no que nos outros e descrição majestosa da natureza acabam por conferir à obra o mesmo toque mágico. Portanto, é uma obra de grande valor, realmente recomendável, não somente para aqueles que apreciam outras obras de Daisuke Igarashi, mas também para todos aqueles que gostam de uma história cativante e emocionante, embora tranquila e serena, que foge do lugar comum dos "slice-of-life" corriqueiros. Sendo assim, termo por aqui a presente postagem, até a próxima.





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