Alien Nine - garotinhas e alienígenas, combinação agridoce.

Postagem de inauguração, eis que surge o problema, sobre o que escrever? Resolvi falar então de Alien Nine, de Hitoshi Tomizawa, considerada sua magna opus, com direito a 4 OVAs produzidos de 2001 à 2002 pela J.C Staff, no entanto nesta postagem me restringirei ao mangá. Há ainda uma continuação "Alien Nine Emulators" que pretendo falar em outra ocasião.

Alien Nine fora publicado de 1998 à 1999 pela revista seinen Young Champion, contando com 3 volumes.
Em um futuro não especificado (2013 segundo meus cálculos), invasões alienígenas são coisas corriqueiras, e todo mundo deve estar preparado, inclusive as escolas. Neste contexto somos apresentados à escola elementar "9" e seu time responsável por lutar e conter as ameaças extraterrestres. Composto por um grupo de 3 alunas da sexta série de turmas distintas, chamado de "partido alienígena", as quais vestem um uniforme estranho e usam patins, e o mais importante, são obrigadas a utilizar os borgs, que são alienígenas em forma de capacete que auxiliam elas na missões em troca de seus fluídos corporais, haja vista terem a capacidade de liberarem tentáculos em forma de brocas (aquelas encontradas em qualquer furadeira). Resumindo, é uma união mutualística, ambos os lados auferem benefícios. Elas terão que exercer essa função durante o ano letivo inteiro, e é uma função ingrata, embora possuam privilégios, como não receber faltas enquanto realizam missões e não necessitam realizar o teste de admissão para progredir nos estudos.

Ao iniciar minha leitura logo pensei com meus botões, mas que diabos é isso? O mundo sob ataque de criaturas espaciais e todo mundo leva a vida normalmente, deixando toda a responsabilidade nas mãos de colegiais de 11-12 anos, cadê a polícia, o exército? Mas tudo bem, dar poderes especiais e responsabilidades sobre-humanas à colegiais não é nada raro no Japão e Hitoshi Tomizawa possui um certo fetiche em expor garotinhas à situações de risco, normalmente envolvendo aliens, ele até deu uma explicação quanto a isto, disse que garotas pré-púberes funcionariam melhor no contexto, além dele sentir mais facilidade em desenhá-las e de que é mais fácil o público simpatizar com garotinhas....enfim.

Quanto ao time designado para conter os alienígenas, para engrandecimento da obra, todas as integrantes são muito bem desenvolvidas logo de cara, cada uma possuindo aspectos únicos que auxiliam muito bem no desenvolvimento ao longo dos capítulos, o grupo é formado por: 
Yuri Otani, garota tímida e que odeia alienígenas com toda sua força, sente nojo e mal consegue encará-los diretamente, além de ter um grande problema de coordenação motora. Não é difícil imaginar o quanto sofreu ao ter que colocar um capacete (leia-se alien) que se funde na sua cabeça, ela vive reclamando da vida e de seu odioso destino, pois não escolheu entrar no time, foi votada pela maioria da turma, além de chorar muito, muito mesmo, tanto quanto está triste como quando está alegre.
Kumi Kawamura é a líder nata, desde tenra idade todos os anos ocupou o cargo de líder de classe, infortunadamente, não conseguindo o cargo na sexta série, resolveu por livre vontade, ingressar no partido alienígena. É a "mãe" do trio, distribui sermões e cuida exaustivamente das demais. Nota-se que ela tende a "proteger" especialmente Yuri, embora inicialmente haja um atrito diante da inutilidade da mesma, dá ensejo a um desenvolvimento de um sentimento além da amizade.

Por fim, temos Kasumi Tomine, que resumindo, é perfeita em tudo que faz, especialmente em caçar alienígenas, o que faz com extrema maestria, embora por dentro seus sentimentos são um tanto conturbados.
Quem gerencia as ações das garotas é a orientadora Megumi Hisakawa, que faz parte do partido alienígena, responsável por treinar as meninas durante o ano letivo, e que esconde alguns propósitos ególatras, mas não malvados.
No entanto, nem tudo é o que parece, a primeira vista é até tudo muito "bonitinho" vê-las em ação caçando alienígenas pacíficos, ou não tão perigosos, com apenas redes de caça e tranquilizantes para depois tratar deles em um criador, sempre ressaltando o discurso de que toda a espécie de vida possui o direito de subsistir. Mas, abruptamente, são expostas progressivamente a alienígenas mais perigosos, parasitas cerebrais, criaturas mortais, e uma boa dose de gore.



Como ocorre em Milk Closet, outra obra dos mesmo autor a qual falarei em outra oportunidade, há a dicotomia entre a estética kawaii, por assim dizer, e o grotesco, sendo que no presente caso a justaposição de aspectos antagônicos cause o efeito esperado, pois além do aspecto visual, a interação sentimental e o desenvolvimento das personagens foi bem trabalhado. Todo o trio passa por mudanças surreais, acho difícil alguém por antecedência conceber o que as aguarda.
Devo parabenizar a criatividade do autor em criar alienígenas, tendo por inspiração animais terrestres, muito bem detalhados ao contrário do que acontece com as personagens. Lembro que no colégio eu sempre desenhava as coisas mais bizarras possíveis, e não era muito bem visto pelos alunos nem pelos professores, os quais imaginavam que eu tinha um parafuso a menos, e devo ter mesmo. Interessante também, que o que inspirou ao criar os originais tentáculos em forma de broca foi seu outro emprego, em uma indústria de máquinas.
Para Tomizawa não basta simplesmente expor as garotas à violência desmedida, mas também as destruir psicologicamente, de forma crua, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Com o decurso da estória o leitor leva aquela facada no peito, especialmente quem não ler preparado pelo que vem pela frente. Surgem questionamentos sobre a perda da humanidade, a interação dos humanos com seres alienígenas e o mais importante, a interação entre as garotas, as quais compartilham suas emoções literalmente, quando alguma sente medo as restantes reagem da mesma forma.
Os diálogos não são lá muito complexos, mas acarretam um efeito agradável, um certo ar de trivialidade não condizente com as cenas de violência que são repassadas ao leitor. Como já dito anteriormente, por trás da superfície infantilizada e colorida, há um panorama sombrio a ser explorado, assim como outras obras que beberam da mesma fonte, tal como Narutaru (notadamente tomei conhecimento sobre Alien Nine como recomendação na página de Narutaru no My Anime List).
Outro ponto positivo a ser lembrado é a imprevisibilidade, quão frustrante é quando descobrimos logo de cara o desfecho de uma trama? Em Alien Nine tudo é tão bizarro, pode-se esperar qualquer coisa, a surpresa é garantida, digna de delírios permeados a LSD.

Há sim aspectos negativos, alguns pontos ficaram em aberto e algumas ações sem explicação, como quando Yuri resolveu adentrar na floresta das naves espaciais, embora tenha tenha dado uma desculpa, senti falta de uma fundamentação sólida. Quando o autor se prontifica a tecer explicações, são vagas e nebulosas, eu realmente queria adentrar mais a fundo na estória daquele mundo, mas ele apenas nos passa o essencial para termos uma ideia do que se trata. O desfecho creio eu, foi de forma abrupta, nem havia percebido que havia acabado de ler, pois esperava algumas conclusões que fizeram falta.





Tomizawa é daqueles autores que possuem um emaranhado de boas ideias e tenta a qualquer custo enfiar em uma única estória, enchendo de detalhes e pormenores, correndo o risco de tornar confusa sua obra, infelizmente Alien Nine peca um pouco por isso.
Essa “criatividade” ímpar de Hitoshi Tomizawa não é nada surpreendente após você descobrir que ele faz parte do movimento Superflat (movimento artístico pós-moderno, fundado pelo artista Takashi Murakami, que critica a sociedade de consumo japonesa de forma ácida, geralmente com elementos surreais e abstratos. Recomendo a leitura deste artigo: http://chuvadenanquim.wordpress.com/2013/06/14/otakismo-um-panorama-da-arte-contemporanea-japonesa) e consequentemente aplicou o conceito do movimento às suas obras, cenas chocantes com um forte apelo visual típicas do “superflatismo” (perdoem o neologismo) com uma grande dose de surrealismo.
Após ultrapassar o impacto inicial com sua premissa non-sense, algumas peças vão se encaixando na trama, como a questão do "partido alienígena" que está diretamente relacionado aos alienígenas simbióticos que habitam a cabeça das garotas, chamados "borgs", e isso é apenas a ponta do iceberg.
Alguns questionamentos vão surgindo, como a aparição de outros alienígenas simbióticos que também reivindicam o direito de se "ligar" com os hospedeiros humanos, e porque apenas os "borgs" comandam as escolas? Que poder os legitimou para tanto, ao impedir o direito de outras formas de vida alienígenas desenvolverem ligações simbióticas? Algumas respostas foram dadas, outras não.
Ao ler você acaba se interessando com as mudanças que ocorrem com as personagens, que envolvem questionamento acerca da perda da humanidade. É um tanto clichê, mas funciona bem a interação de alguém que perdeu sua humanidade, soltando monólogos do tipo "o que eu me tornei?", "o que eu sou?", "ainda sou humana?" etc. As garotas realmente ficam destroçadas ao longo da trama. As vezes me pegava dizendo pra mim mesmo: "Caramba! como pôde acontecer isto?". Sem esquecer dos subtextos, os quais dão um tempero a mais, como a relação entre Yuri e Kumi.
Quanto aos aspectos gráficos, o desenho não chega a ser um dos melhores, mas é bem justo com o que propõe. Embora não apreciei no início o character design um tanto caricato de Tomizawa, aprendi a simpatizar com ele. Lembro que certa vez ao saber que existia uma sequência do mangá de Battle Royale fiquei contente, mas ao olhar do que se tratava, nem pensei duas vezes antes de abandonar minha intenção de ler, justamente porque a arte do mangá foi confiada a Tomizawa, mas agora está nos meus planos de próximas leituras. 





Finalizando, se você é daqueles que se irrita demasiadamente com estórias um tanto "abertas" e que não fazem muito sentido, eu não lhe recomendo Alien Nine. No entanto se você se interessar por algo totalmente único, surreal e criativo, e não se importe muito com a sensação de desconforto, com certeza é uma boa pedida. Os personagens são cativantes, você se interessa por aquele universo, se emociona com o drama das garotas e fica de certa forma chocado com o fatalismo cru que é passado, nada é encoberto é tudo explícito, a violência, os sentimentos, a realidade, a interação dos personagens de faces redondas e grandes orelhas naquele mundo bizarro.


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