Battle Royale [livro] - "Cause tramps like us, baby we were born to run."
Hoje, de forma inédita, tecerei alguns comentários sobre
um livro, o que poderá vir a se repetir em uma ocasião futura. O livro em
questão é o controverso Battle Royale, de autoria de Koushun Takami.
Pra aqueles que desconhecem Battle Royale, este foi um
livro que originou uma franquia de sucesso se expandindo para diversas mídias,
como o mangá e o cinema. Battle Royale ficou conhecido no Brasil por meio do
filme homônimo lançado no ano 2000 fazendo um relativo sucesso a nível mundial
diante da abordagem polêmica da obra, tanto é que o famoso diretor holywoodiano
Quentin Tarantino classificou este filme como o melhor que assistiu desde seu
início de carreira como cineasta, sendo que se o filme fosse ocidental muito
facilmente passaria como um filme de Tarantino.
O mangá de Battle Royale composto por 15 volumes foi
publicado no Brasil pela editora Conrad em 2006, mas somente 12 volumes foram
lançados inicialmente, sendo que a editora Conrad somente terminou sua
publicação em 2011.
Quanto ao livro, que será aqui analisado, tanto no
conteúdo como nos aspectos gráficos da sua edição brasileira, apenas muito
recentemente ele foi lançado no Brasil, na data específica de 19 de março de
2014 pela editora Globo. Portanto, dentre as diversas mídias em que Battle
Royale foi publicada, sua fonte original até o momento estava inacessível no
Brasil em uma versão em Português.
Embora o livro, o mangá e o filme tenham suas diferenças
pontuais, a história é basicamente a mesma. Em um mundo distópico, o Japão não
foi derrotado na Segunda Guerra Mundial pelos americanos dando origem a Grande
República do Leste Asiático. Neste contexto, foi aprovada uma lei que consiste
submeter de tempos e tempos uma classe de estudantes sorteada para participar
de um jogo com propósitos obscuros onde a principal regra é matar uns aos
outros até restar apenas um estudante, que será declarado o vencedor, se
deixarem de matar uns aos outros todos morrem, pois há em cada participante uma
coleira explosiva. O governo afirma que o programa é motivado para cumprir exercícios
militares, mas a verdade é relevada ao longo da obra.
Estes jovens, com idade de 15 ou 16 anos são levados para
um local onde ocorrerá o jogo, em Battle Royale a história principal se passa
em uma ilha, a qual fora rapidamente desocupada para a realização do programa.
O jogo é um verdadeiro estudo psicológico, pois podemos
verificar os mais variados tipos de comportamentos, muitos participantes reagem
de formas diversas pressionados pelo terror psicológico, alguns abandonam logo
de cara a sua vida, ou se afundam na loucura, ou ainda resolvem participar
friamente do jogo em intenção de vencer. Os princípios e a moral é deixada de
lado, claro que ainda há aqueles que resolvem tentar escapar e ajudar os
demais. A violência é constante, com cenas fortes e chocantes, e Battle Royale
ainda explora de maneira eficiente o passado dos personagens, sendo que alguns
possuem um passado muito mais assustador do que qualquer coisa que poderiam
encontrar na ilha.
Por esta premissa cruel e violenta, Battle Royale se
tornou uma obra famosa por seu conteúdo controverso. Curiosamente, Battle
Royale é o único livro escrito por Koushun Takami, mas o suficiente para
realizá-lo profissionalmente diante do sucesso alcançado. Takami entrou em um
concurso japonês de literatura de terror em 1997 mas sua obra foi rejeitada na
final em virtude do seu já mencionado conteúdo polêmico. Somente conseguiu
publicar o seu livro em 1999 se tornando um "best-seller", vendendo
mais de um milhão de cópias no Japão, como resta bem destacado na capa da
edição brasileira.
Apenas um ano depois de sua publicação, Battle Royale foi
adaptada em um filme de sucesso, o qual teve uma sequência em 2003, Battle
Royale II - Requiem, de qualidade bastante duvidosa, sem respaldo na história
do livro. De 2000 a 2005 fora produzido um mangá que seguiu a história do
livro, o qual também teve uma boa recepção neste universo de quadrinhos. Foram
lançados também 2 "spin-offs", Battle Royale II - Bitz Royale em
2003, o qual não foi muito bem recebido e Battle Royale - Angels Border em
2011.
Devo frisar que tanto o livro, como o mangá e o filme
seguem uma mesma história em termos gerais, nos termos acima relatados,
contudo, bastante diferentes em determinados pontos, por exemplo, o final em
cada uma das mídias é diverso do outro, bem como o passado dos personagens
sofreram alterações entre uma versão ou outra, bem como sua personalidade. A
ordem dos eventos também são diversas, fatos que são expostos ao final do
mangá, no livro aparecem na metade da trama.
Quem mata quem em cada versão idem, além das armas
utilizadas, algumas sento totalmente diferentes ou apenas mudando de marca,
como no caso das armas de fogoo. Ressalto que no filme ocorre uma simplificação
tanto do passado dos personagens como de suas personalidades, o que é aceitável
em virtude do filme ser a mídia na qual uma simplificação se faz mais
necessária para se adaptar às regras cinematográficas, e, embora eu tenha
gostado do filme, é, para mim, a pior adaptação de Battle Royale baseada no
livro. O autor do livro esteve presente na
elaboração do roteiro de suas adaptações o que ajudou a não destoar muito do
propósito original, claro que as mudanças foram propositais notadamente para
atiçar a curiosidade do público.
Focando agora no livro, o romance de Koushun Takami se
mostrou mais consistente do que suas adaptações, até mesmo mais do que a versão
mangá que possui um nível de fidelidade e detalhamento com o espírito do
romance bastante elogiável. Por sorte, ao ler o livro muitas das partes
incredíveis e de qualidade duvidosa do mangá não estavam presentes na versão
original, o que foi um alívio, tais como uma certa cartunesca luta com
referência a Dragon Ball que quem leu o mangá sabe do que estou falando.
A narrativa é envolvente, embora eu já tivesse ciência
dos termos gerais do enredo, quase não consegui desgrudar os olhos do livro,
confesso que terminei a leitura em pouco tempo das 663 páginas do livro.
O livro apresenta um número maior de informações sobre o
governo distópico que domina o Japão do que as informações presentes no mangá,
claro, sem nada muito detalhado, visto que tais informações servem
prioritariamente a dar um background para a trama, visto a interação entre os
alunos ser o foco do livro, mas mesmo assim, por meio do livro foi possível
traçar um cenário mais claro sobre o governo japonês em questão, bem como de
sua política externa em relação a outras potências como Estados Unidos e
Coréia, a título de exemplo.
A narração em terceira pessoa do livro foi fundamental
para o bom desenvolvimento da obra, caso contrário ficaríamos quase restritos
ao ponto de vista do protagonista Shuya, o que limitaria as informações
passadas ao leitor. A narração em terceira pessoa propiciou o mesmo resultado
de quem já leu o mangá, uma relativamente profunda análise de quase todos os
personagens, incluídos as famosas retrospecções e os flashbacks com o objetivo
de situá-los na história e fazer o leitor sentir empatia por eles, o que causa
um choque quando a morte chega.
Devo destacar alguns pontos positivos do livro, como no
desfecho da estória, tanto a história central da obra, como o desfecho
particular dos alunos, mesmo que algumas mortes tenham sido semelhantes em
ambas as mídias, algumas se mostraram muito mais bem elaboradas na versão
original. Bem como, devo ressaltar a capacidade do autor em fazer os leitores
sentirem empatia até mesmo pelos ditos vilões que estariam participando
conscientemente no jogo da matança, mostrando que mesmo eles possuem seus
motivos para agirem da forma apresentada, mesmo que um passado tramático ou
doença não justifique o cometimento de barbáries, impossível não sentir por
eles, especialmente pelo aterrador passado de Mitsuko Soma.
E quanto a cereja do bolo de Battle Royale, as mortes são
absurdamente bem detalhadas, a violência soa realisticamente perfeita, cada
ferimento, seja uma facada ou um tiro soa verossímil, muito fácil o leitor
sentir a tensão do momento juntamente com a explosão de sentimentos
confrontantes dos personagens. Em resumo O narrador te apresenta o personagem,
conta pontos de sua vida, te mostra como está sua atual situação e depois ele
morre.
Não tenho o que reclamar da tradução direta do japonês de
Jefferson José Teixeira, embora eu não tenha lido outra versão para comparar,
não senti nenhum trecho forçado que identificasse uma tradução ruim, outro
ponto positivo é justamente que a tradução se deu diretamente do japonês, e não
da versão em inglês, o que ajuda a preservar a essência da versão original,
visto que muita coisa se perde de uma tradução oriunda de outra tradução.
A edição brasileira da editora Globo, que por sinal é a
única, possui uma qualidade respeitável, por si só o livro é grande e chama
bastante a atenção na estante, o título do livro na lombada pode ser visto de
longe, sendo facilmente identificável. A capa e as cores usadas também ficaram
bastante boas, o preto e o vermelho são as cores relacionadas a tudo que é
produzido sobre Battle Royale. Ressalta-se que por cima dos dois estudantes
anônimos armados que ilustram a capa é possível visualizar o mapa quadriculado
da ilha que por sinal é em alto relevo detalhe que é quase impossível de se
identificar sem manusear pessoalmente o livro.
O papel é amarelado, evidenciando a qualidade do mesmo
pois facilita a leitura, tenho o livro desde que foi lançado em 2014 e até
agora não apresentou nenhuma mancha de oxidação. A fonte usada possui um
tamanho bom e ocupa um espaço adequado na folha. Nas páginas iniciais do livro
somos brindados com uma citação de um livro de George Orwell, autor de 1984, o
que combinou bastante com a obra, diante do caráter de insegurança de ódio
velado presente na respectiva citação. Há ainda uma lista de todos os
estudantes e um mapa da ilha o que facilita para futuras consultar do leitor.
Destaque para a curiosa e bem humorada dedicatória do
livro: "Dedico este livro a todas as pessoas que amo. Embora duvide que
elas me agradeçam por isso." Provavelmente muitas pessoas se sentiriam
ultrajadas com tal dedicatória, embora eu possa dizer que gostaria caso fosse
dirigida a mim.
Bem, como todos sabem, o protagonista de Battle Royale,
Shuya é um aficionado por rock, lembrando que tal estilo musical é um símbolo
da revolta dos jovens contra o governo distópico no livro. E Shuya é fã
principalmente de Bruce Springsteen, famoso artista norte-americano, tanto é
que abundam referências da música "Born to Run" no livro, sendo o
título desta postagem um trecho da referida música, a qual define perfeitamente
o personagem central da obra.
Só devo reclamar de certo aspecto da edição brasileira,
as informações contidas na orelha do livro revelam um spoiler da obra que
somente é revelado ao fim do livro, após muita especulação entre os
personagens, quanto ao objetivo real da realização do programa, embora mentes
mais perspicazes já poderem anteriormente chegar na conclusão apresentada no
romance.
Por fim, Battle Royale é uma obra indicada para todos
aqueles que gostam de uma história envolvente de ficção distópica e que não
tenham medo e receios de violência extrema, pois isso é o que mais há neste
livro. Também recomendo o filme e o mangá para quem ainda não teve a
oportunidade de conhecer esta fantástica franquia.
(Todas as imagens utilizadas nesta postagem foram retiradas da internet. Sim, tive preguiça de tirar fotos do meu próprio livro.)