[+18] Anamorphosis no Meijuu. Distorções, fusões e transformações em Shintaro Kago.
Para quem acompanha o blog já sabe que admiro o trabalho de Shintaro Kago. Assim sendo, vou falar de mais um dos seus "curiosos" e excêntricos mangás, Anamorphosis no Meijuu. Só avisando, ao final da minha review disponibilizei os links dos outros dois mangás de Shintaro Kago que tratei aqui no Blog, Harem End e Super-Conductive Brains Parataxix. Só avisando, Anamorphosis no Meijuu não perde em nada em relação aos outros mangás de Kago no que diz respeito à bizarrice típica do autor.
Como é sabido, Shintaro Kago é um dos maiores expoentes atuais de um gênero de mangás um tanto diferente, e igualmente polêmico pelo conteúdo de suas obras, o ero guro, ou erótico grotesco, onde é conjugado temáticas eróticas com grotescas. Não restam dúvidas que essa é uma temática que causa repulsa na maioria dos leitores não familiarizados com este tipo de mangá. Autores comuns de ero guro limitam-se a contar histórias de estupros, mutilações e uma infinidade de parafilias. Entretanto, há alguns autores de ero-guro que levam suas obras além da mera violência gráfica.
Shintaro Kago é um desses autores que transcendem o lugar comum dos mangás ero-guro, criando um estilo único até o momento. Ele, apresentando uma criatividade incrível, apresenta em seus mangás uma mistura, em perfeita harmonia, de humor negro, crítica social e uma dose de horror. Esses aspectos reunidos fazem de Kago um dos mais acessíveis autores ero-guro, ao lado do clássico mestre Suehiro Maruo. Mesmo assim, ele não deixa de causar repulsa na grande maioria das pessoas que se deparam com sua bizarra obra.
Bom, eu sempre acabo apresentando Shintaro Kago quando eu falo de uma obra sua, mas agora é hora de falar do mangá objeto desta postagem, Anamorphosis no Meijuu, ou em inglês The Dark Beast Anamorphosis. Anamorfose, o termo que dá nome ao mangá possui um conceito bastante complexo e amplo, em diversas áreas do conhecimento humano, em resumo, corresponde a processos de transformação, distorção, recombinação, aumento de complexidade ou fusões. Realmente, Anamorphosis no Meijuu faz jus ao nome, um grande e bizarro processo de distorção!
Anamorphosis no Meijuu foi serializado na revista Core Magazine, especializada em conteúdo adulto, em especial hentais, o que é aceitável diante do conteúdo das obras de Shintaro Kago, os quais mesmo não sendo considerados pornografia, são muito pesados. Uma das poucas exceções dos mangás de Kago publicados em revistas fora do meio exclusivamente adulto, foi Super-Conductive Brains Parataxix, visto ter maneirado no ero-guro. Anamorphosis no Meijuu possui um volume e 10 capítulos, e foi publicado de 09 de dezembro de 2008 até 09 de junho de 2010. Metade do mangá é a história principal e o restante one-shots.
E quanto a sinopse de Anamorphosis no Meijuu? O enredo aborda um estranho reality show, onde um grupo de pessoas devem ficar trancafiadas em um set de filmagens que recria uma cena de um homicídio famoso. Só isso já é bastante bizarro, mas não para por ai. Eles não ficam apenas trancafiados, mas também é chamado um sacerdote xintoísta para invocar o espírito da vítima, tornando o lugar assombrado. Quem conseguir resistir alguns dias no lugar, ganha uma soma considerável de dinheiro como premiação.
Os participantes da edição que é mostrada em Anamorphosis no Meijuu ficam presos em um set de filmagem de um tokusatsu, onde um cara vestido de monstro morreu após uma explosão acidental de pólvora, motivada, aparentemente, por um erro do técnico de efeitos especiais. Há ainda no set a recriação da cidade em miniatura onde se rodava o filme. Ocorre que neste programa nem tudo sai como previsto, o espírito da vítima é muito mais perigoso que o imaginado, e o monstro que era apenas uma fantasia dá as caras como assombração.
E tem mais ainda! O cara que morreu no acidente nem sabia que estava participando do filme, pois foi raptado em sua casa para participar de um projeto cinematográfico único e vanguardista. O vestiram do monstro enquanto estava desacordado e o colocaram na cidade em miniatura, para que, quando acordasse, fosse levado a crer que havia se transformado em um mostro de verdade. A qualidade técnica da produção era realmente boa, conseguiu assustar o indivíduo. O objetivo disso tudo era criar a atuação mais convincente possível.
Mas nem tudo é como aparenta ser, como o título do mangá sugere, há uma grande quantidade de distorções, fusões e recombinações no enredo, efetivamente, nada é o que parece ser. Isso é bem a cara de Shintaro Kago. O mais incrível de tudo, é que para o entendimento do enredo, Kago se utiliza de curiosos e engenhos mecanismos de ilusão de ótica que confundem tanto os personagens como os leitores, verdadeiramente uma tacada de gênio. Kago é mesmo reconhecido por brincar com as estruturas dos quadros, por vezes derretendo-as ou até mesmo as tornando tridimensionais.
Anamorphosis no Meijuu é uma história que só pode ser analisada ao final dela, no decurso da leitura é impossível entender o que realmente acontece. Onde não se espera um mistério ou uma reviravolta maluca, lá estão eles. Anamorphosis no Meijuu não deixa a desejar na presença das clássicas características dos mangás de Shintaro Kago, o reconhecido humor negro e as violências mais bizarras, se não cômicas, possíveis. Ele realmente brinca com leitor e com a capacidade dele de interpretar suas obras e desvendar seus mistérios.
Por se passar em um contexto de um filme de tokusatsu, bem ao estilo Ultraman, a ambientação temática do mangá está excepcional, até mesmo é possível se inteirar um pouco de como andava a indústria dos tokusatsus em 2008 e das técnicas usadas em sua produção. O enigma do mangá gira todo na questão da perspectiva, do grande e do pequeno, o que é apenas miniatura e o que não é, será que são apenas maquetes, ou há algo escondido ali? Anamorphosis no Meijuu consegue muito bem proporcionar uma leitura envolvente enquanto destila suas bizarrices.
Quanto aos personagens, não há muito o que falar sobre eles, são na maioria genéricos, servindo perfeitamente para fazer o enredo ter o mínimo de sentido. Entretanto, os personagens de Shintaro Kago são interessantes mesmo assim. O único personagem que merece menção é o diretor do filme que acabou em tragédia, idealista e insano, também responsável por sequestrar a vítima. Além de ser um entusiasta dos filmes de tokusatsu tem como objetivo de vida criar o melhor filme do gênero, provando que os métodos antigos são melhores que a moderna computação gráfica.
No contexto geral, Anamorphosis no Meijuu consegue fechar uma história com começo, meio e fim, sem deixar pontas soltas, dando uma satisfação plena a quem se aventurar na sua leitura. Mesmo com todas as bizarrices e maluquices do enredo, Kago consegue encaixar esses elementos de uma forma que tudo fique apreciável, não apenas jogando qualquer loucura no papel de forma aleatória. O desfecho da obra foi realmente surpreendente, o que é de se esperar, e realmente criativo, tudo uma grande brincadeira sobre perspectiva.
Agora vou falar um pouco sobre as one-shots de Shintaro Kago presentes em Anamorphosis no Meijuu, as quais são um espetáculo próprio. Creio que Kago é ainda mais famoso pelas suas estórias curtas do que pelos seus trabalhos mais longos. Obras curtas tem o privilégio de poder ser ainda mais bizarras que obras maiores sem precisar explicar o conteúdo, assim como ocorre em contos na literatura. As one-shots de Kago são suas obras mais chocantes, um caldeirão de bizarrices repletas de gore (ou não), de fazer o queixo cair. Se não acreditam, continuem lendo.
A primeira one-shot dos extras se chama Bishoujo Tantei Tengai Sagiri, sobre uma colegial, aparentemente normal, que trabalha como detetive, resolvendo seus casos com meios nada ortodoxos. Sagiri, a detetive, já deu as caras em outras one-shots de Shintaro Kago. Ela aparece e uma one-shot do mangá Harem End, que já falei sobre no blog, onde constrói uma máquina fotográfica com materiais improvisados em sua vagina para fugir de um cativeiro (já deu para perceber o tipo de história né?).
Em Bishoujo Tantei Tengai Sagiri, a jovem detetive tenta resolver o caso de uma misteriosa morte de uma mulher perfurada por inúmeras ferramentas enquanto praticava sadomasoquismo com seu parceiro, o principal suspeito, o qual Sagiri tenta provar inocência. Surpreendentemente, Sagiri consegue solucionar o caso, descobrindo que sua solução encontra-se na área do magnetismo. Aparentemente ao amarrar a mulher com uma corda metálica e usando um vibrador metálico, estranhos efeitos eletromagnéticos podem ocorrer.
Dando continuidade, temos outra bizarra one-shot chamada Rainy Girl. Simplesmente é a curiosa história de uma menina que nasceu com uma condição bem anormal, sempre chove em cima dela, não importa se ela dentro ou fora de um edifício. Isto naturalmente causa muitos problemas, desde bullyng na escola, apagar acidentalmente fogueiras em festas ou ainda atrapalhar no sexo, quando começa a infiltrar chuva pelo teto do quarto de hotel. E alguém ainda duvida da insanidade de Kago ao criar suas obras?
E a história da rainy girl não termina por ai, o mais bizarro vem na sequência! Ela encontra um velho meteorologista maluco que a leva a copular com um cara com o mesmo problema dela, com o intuito de criar um bebê com as habilidades dobradas. E qual a necessidade disto? Realizar contínuas reproduções entre os descendentes até criar um ser humano capaz de alterar o clima em escala regional, se não global. E o mais importante, a garota ficou contente por ter uma utilidade ao mundo, tudo acaba bem quando termina bem.
A terceira one shot é uma curiosa historieta policial, a qual envolve um professor que mantém uma relação marital com uma estudante colegial e que não gosta de usar camisinha, uma vizinha intrometida que sempre vem oferecer comida bem no momento que o casal está fazendo sexo, abortos clandestinos e um pouco de canibalismo também, para fechar com chave de ouro. Kago chega no auge com o humor negro neste pequeno conto, tudo é tão doentio que chega a ser fascinante pelo assombro que causa no leitor.
A próxima one-shot é muito boa, uma das minha preferidas deste mangá, com o título Hikikomori. Como Shintaro Kago aborda um dos problemas sociais mais relevantes do Japão atual? Claro que com uma dose gritante de humor-negro, ironia e critica social. Nesta história, uma garota é transferida para uma escola onde não há nenhum aluno, pois todos se tornaram Hikikomoris, isso parece absurdo? E é mesmo, mas vamos prosseguir. Como sendo a única aluna do colégio, ela é assediada pelos professores, os quais se tornaram psicóticos pela ausência dos alunos.
Além disso, ela é nomeada conselheira de classe por ser a única aluna do colégio, e ainda por cima recebe a missão de visitar os alunos Hikikomoris e tentar trazê-los de volta para a escola. E o mais bizarro acontece, esses estudantes, por viverem trancados no quarto, acabaram se tornando monstros gelatinosos e amorfos. Nesta história há o ápice do humor negro de Kago quando um tentáculo/pênis tenta estuprar a garota mas é detido quando ela pisa nele e a coisa acaba ejaculando precocemente, sendo então zoada por certamente ser virgem.
Como quinta oneshot temos Behind, uma história totalmente bizarra e surreal. Uma garota é operada e ao ter seus pontos fechados, o cirurgião percebe que esqueceu algo lá dentro, então é aberta e o objeto tirado. Curiosamente, numa sequência insana todo mundo acaba esquecendo alguma coisa dentro da menina, e não só no hospital, mesmo fora dele as pessoas sempre encontram o que procuram dentro dela, como celulares e até o dever de casa! Essa é a vantagem das histórias curtas, pois é possível ser surreal ao extremo sem se importar em explicar.
Previous-life é a próxima one-shot, e bem, como é de se esperar, outra história surreal de Kago. Neste caso brinca com o conceito de vidas passadas e carma. Uma menina se transforma em uma criatura meio serpente em virtude de na vida passada ter sido um caçador que matou muitas cobras. Tudo vira um negócio quando um monge e a irmã da menina começam a cobrar para ajudar as pessoas a melhorarem suas habilidades, tudo se comunicando com a vida passada e pedindo, por exemplo, para matar muitos cangurus, com o objetivo de na vida atual a pessoa ser uma ótima saltadora.
Em Salesman, uma menina é amaldiçoada por um espírito de um lutador de sumô, sempre quando se aproxima de uma pessoa, e isso nas piores horas, ela nem ao menos consegue ajudar uma pessoa pendurada sem matá-la. Um oportunista se beneficia de sua situação, contratando-a para matar pessoas sem levantar suspeitas. Sem sombra de dúvidas é mais um belo exemplo de como Kago consegue lidar de uma maneira cômica com os mais variados temas.
A sétima one-shot é Changes, essa é realmente muito boa e brinca com a realidade de uma forma assombrosa. Uma garota acorda com uma boca no lugar do mamilo, ao procurar um médico esse informa que não é uma condição rara, já que muitas vezes esse fenômeno acontece, como quando a boca do bebê e o mamilo da mãe são trocados durante a amamentação, ou os dedos da mão são trocados com os buracos de uma bola de boliche. A história se resume em uma complexa saga em busca do mamilo perdido.
Ufa, e para finalizar, Weightlessness, onde uma menina sem memórias acorda amarrada em uma cama de hospital sem saber o motivo, e acaba pensando que a vão transformar em um robô ou coisa parecida. Ela consegue se comunicar por escrito com uma menina ao quarto ao lado, a qual a convida para brincar e depois tenta ajudá-la a se libertar, indicando um método de fugir. Entretanto, nem tudo é o que parece, e nem todas as pessoas são confiáveis. Essa pequena história é uma divertida pegadinha repleta de humor negro.
Assim acabamos as várias one-shots presentes em Anamorphosis no Meijuu, analisando-as conjuntamente, não diferem do trabalho habitual de Shintaro Kago, mas apresentam uma variedade de temas abordados de forma tão criativa, que é impossível sentir tédio ao lê-las. Claro que primeiramente para alguns é necessários que consigam superar a repulsa inicial com este tipo de obra, que, admito, não é para todos, já que o conteúdo gráfico das one-shots é consideravelmente mais pesado do que da obra principal que nomeio o mangá.
Quanto aos aspectos visuais do mangá, a arte de Shintaro Kago é instigante. Embora existam mangás com a arte mais detalhada que a dele, quando necessário, principalmente nas partes de conteúdo gráfico mais pesado, a arte se sobressai. As expressões dos seus personagens se tornam fantásticas ao conferir um ar de insanidade que casa perfeitamente com a sua obra. O uso que faz dos quadros, subvertendo o senso comum, também é um ponto alto de sua arte que merece ser elogiado.
Claramente o objetivo de Kago é chocar com sua obra, criando discussões e reflexões sobre ela. Claro que o conteúdo de seu trabalho é pesado e nada apreciável por um grande número de pessoas. Mas, para o que gostam deste tipo de material e para os que tenham coragem suficiente para vencer uma possível repulsa, fica a dica de leitura de um curioso mangá, o qual vale muito a pena ser lido e que é muito mais do apenas violência gratuita.
De qualquer forma, Anamorphosis no Meijuu não é mangá para todo undo, afastem-se os que possuem coração fraco, é uma recomendação que eu faço. Assim, termino aqui a postagem do dia, espero que tenham apreciado esta curiosa recomendação. Não deixem de comentar e deixar suas impressões.
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