Quando o Animal Planet faz um anime ruim.
É altamente recomendado que se leia a minha primeira crítica para com a série Kemono Friends: KEMONO FRIENDS: O MELHOR EPISÓDIO DE ZOBOOMAFOO
Lembro quando eu escrevi da bela jornada que foi Kemono
Friends. Era uma mistura entre Zoboomafoo e o documentário “Humanidade: a
história de todos nós”, um jeito infantil de trazer informação tanto biológica quanto antropológica.
Aquela obra que mirou o que viu e acertou o que não viu.
Bem, claro que eu fiquei ansioso para poder ver KF 2 na
temporada de Inverno/2019. E lá fui eu me aventurar no Japari Park mais uma
vez.
Para quem não se recorda, KF é a história do Japari Park e
dos Friends, animais que foram afetados pela Sand Star (uma poeira que sai de
um vulcão da ilha) e ganharam humanidade, no fim, são meninas vestidas de leão,
pinguins, jacaré, etc...
Serval. Leptailurus serval |
Você já deve ter estranhando o porque desse design, né? Além
do mais sabemos que a Serval é assim:
A Serval clássica |
Não tenho como negar que é uma literal evolução, tudo ficou
absurdamente mais fluído, menos quadrado, agora podemos apreciar a boca se
movendo sincronizado com a boca da personagem, temos um número maior de
expressões e somos mais capazes de apreciar cenários com certa movimentação.
Já que estamos na seara técnica, falemos sobre a Trilha Sonora.
Ela segue a mesma linha da primeira temporada, se você não lembra, basta dar uma
procurada em trilhas como “Jungle no Naka de” que despertar aquela inocência de
uma savana quase de Rei Leão, temos também “Tanoshii Nakamatachi”, que despertar o lado
mais paspalhão do anime.
Poderia facilmente descrever cada entrada de música de
Kemono Friends, se tem uma coisa que foi altamente trabalho na mente da pessoa
que assistia a obra era isso: a coisa segue uma narrativa tão leve e envolvente
que você consegue quase entender como fazer inserção de trilha sonora nas
cenas.
Essa leveza, por sinal, é característica de Nobuyuki Abe,
ele diretor de sons de animes totalmente fofos como: Banananya e Nyanko Days.
Cabe aqui um primeiro retoque essencial: a trilha de sonora
de Kemono Friends 2 é a trilha de Kemono Friends 1, as inovações são mínimas e eu diria imperceptíveis. Se podemos alegar algo é a qualidade de
produção, que para os ouvidos muito ligados, pode ser uma coisa a se considerar.
Para que esse crítico venha a ter material, limitarei a
análise da abertura (essa mesma um elemento narrativo, esse conceito muito
elaborado pelo YouTuber e crítico Mother Baseament). Tanto a abertura da primeira e segunda temporadas apresentam a temática centrada na descoberta das Friends e do Japari Park,
mas enquanto “Welcome to Japari Park” (abertura da primeira temporada) nos leva a um bom
mistério, Japari Beats (segunda temporada) não leva a lugar nenhum no melhor dos casos.
Em Welcome to Japari Park tínhamos uma progressão
interessante, literalmente acompanhando a Friends que conhecíamos.
Já na abertura de Kemono Friends 2, a coisa toma um rumo bem diferente
(na verdade, não toma rumo nenhum). A maioria das Friends são jogadas em nossa
frente sem o menor cuidado narrativo, na verdade o anime dá um total de zero
informações sobre o que teremos pela frente. Enquanto na abertura de Kemono Friends 1 tínhamos trocas de cenas que davam spoilers subliminares de cenários futuros do
anime, em Kemono Friends 2 temos, no melhor do casos, temos uma música um pouco mais trabalhada e
eu diria mais como um efeito cascata de maior orçamento, e não por um cuidado
técnico diferenciado.
Essas sombras são as Friends que ainda não vimos, no decorrer da obra ao vermos as tais, elas tomam forma. |
Cabe aqui um segundo retoque para a o que foi dito sobre a
junção da narrativa e da trilha sonora. Kemono Friends, tanto o 1 como o 2, apesar dessa
leveza narrativa dando uma impressão de que nós (que assistimos) estamos no
“controle” (como se toda a obra operasse em uma zona de conforto), esta é uma falsa
impressão. Explico, e diante disto, nesse ponto, saio das tecnicidades da animação e
composição sonora para partir para a saga narrativa, essa "coisa" que separa o original da sua sequência.
A explicação para o parágrafo acima é de que um bom
equilíbrio narrativo é exatamente a capacidade de passar essa sensação de
controle e nunca deixar de ter um “cheirinho de mistério”, aquele toque de
“quero mais”, aquela coisa caótica, mas não no sentido de desordenado, mas no
sentido de ser um terreno ainda não explorado.
Dessa maneira, podemos derivar que narrativas não podem ser rasas e opacas, de maneira que tudo seja previsível, ordenado e exageradamente
linear. E de igual forma, podemos inferir que narrativas não podem ser obscuras,
caóticas e com eventos entrelaçados em uma complexidade que emula a complexidade
da realidade. A primeira é a definição de “mais do mesmo”, a segundo é a
definição de confuso.
Kemono Friends 2 é exatamente a segunda opção em sentido estritamente
narrativo. A obra começa na mesma estrutura de seu predecessor: temos Kyururu
(nossa “atual” Kaban, mas que no caso é um menino, por mais que não pareça) que desperta de
um estranho sono no meio do parque. Kyururu também se encontra primeiramente com um
felino (só que dessa vez é com um Caracal, só posteriormente com a Serval).
Kyururu também não lembra de seu próprio nome e os felinos não sabem que
“Friend” ele deveria ser. Novamente, lá vamos nós em uma jornada para
descobrir a verdadeira identidade de Kyururu, o que implica conhecer mais sobre
o que seria o Japari Park.
Não vou levantar questionamento sobre Serval estar aqui e
não com Kaban, cruzando o oceano como foi no final de Kemono Friends, mas é sempre bom
lembrar que isso é um elemento de caos enorme na narração, já que faz parte de um
mistério tremendo para todos que viram Kemono Friends 1).
Parece ser impossível estabelecer uma crítica de Kemono Friends 2 sem
apelar a Kemono Friends 1 e esse crítico que vos escreve reforça essa linha de pensamento.
Abordaremos primeiro sobre os Friends.
No decorrer do nossa caminhada poucos são os Friends que
vimos na primeira temporada, mas será que isso é uma coisa boa? Deveria ter havido mais Friends para apresentar, mais informações com aquele jeitão
Animal Planet e Zoboomafoo? Só que não era simplesmente por apresentar meninas
animais que os personagens do anime eram tão marcantes e até hoje rendem artes
(diferentemente das Friends apresentadas em Kemono Friends 2, sendo que na segunda
temporada o traçado é bem bonito, harmônica e palatável esteticamente).
Na primeira temporada, por exemplo, tínhamos Shoebill (imagem abaixo) ela
configurava uma imagem hostil, associada a um animal também hostil, mas no
decorrer do episódio em que é apresentada, vemos que é o seu design que dá
ideia de “mal encarada” (o mesmo vale para o animal em zoológicos, são animais
bem simpáticos com seus tratadores). Friends como Shoebill faziam cada episódio
de Kemono Friends 1 ser cativante, não era só informação biológica aleatória que prendia o
público, mas a inserir um certo arquétipo de personalidade, que por mais clichê
que seja, parece muito mais ingênuo e genuíno no contexto da série.
Shoebill.Balaeniceps rex. |
Shoebill é só um dos vários exemplos, a tentativa de Kemono Friends 2 de
emular a primeira temporada e suas Friends (pretendendo ser melhor, mas sendo de fato pior)
pode ser vistar quando da oposição entre Lion-san (leoa) e Moose-san (alce), dupla
que gostava de brigar, sendo a Leoa indolente como todo bom felino e o Alce
sempre altivo; essa rivalidade é transferida para a segunda temporada no conflito entre Pronghorn-san (antilocapra)
e Chita-san (guepardo). Elas sendo corredoras querem saber quem é mais rápida, de maneira
que Caracal, Serval e Kyururu as ajudam a terminar esse mal entendido.
Chita e Antilocapra. |
Cheeta é uma tsundere, esse arquétipo era parte só
de Tsuchinoko-san (animal fictíco) na primeira temporada; agora faz parte de,
no mínimo, quatro Friends na segunda (sendo a própria Caracal, personagem
principal, uma delas). Pronghorn é só uma personagem determinada, uma cópia
ruim da Moose. A debochada Beep-chan (a papa-léguas) é muito mais marcante do que essas duas.
Personagens conhecidos também perderam o brilho, basta dizer
que Margay (Gato-Maracujá) e o grupo Idol de Penguins (PPP) apareceram, mas dado que
o conflito do grupo foi resolvido na parte 1, na 2 o que eles poderiam fazer?
Bem, estragaram a Margay que antes era literalmente uma tarada pelas pinguins,
uma grande fã e muito fácil de relembrar; agora era literalmente só uma
empresária workaholic.
Nessa ânsia de reapresentar personagens antigos temos também
as corujas professoras, os quais eram crianças espertas na primeira temporada, sábias,
mas inocentes; frias, mas com humor, agora são reduzidas a versões mecânicas e
assistentes de uma adulta Kaban-chan.
Sim, temos agora uma Kaban crescida. E não, o anime não vai
explicar o que aconteceu. E só lembrando que Serval não lembra dá viagem dela
com Kaban, mas Kaban recorda com tristeza.
Se você, leitor, prestou atenção viu exatamente o que é a
definição de caos narrativo na linha acima. Esses fatos nada pequenos são
jogados em nós. Mas não é como se o anime não soubesse que tudo está altamente
nebuloso quando na metade dos doze episódios eles nos mostram essa nova Kaban,
sendo assistida pelas corujas.
Só que a resolução do anime é qual? Simples, jogue duas
mariposas misteriosas que aparecem em visões de Kyururu (literalmente em
situações escabrosas, como debaixo da água) para explicar nada de relevante ao
roteiro, que pouco ajudam em quebrar a teia de mistérios que a temporada jogou no
colo do publico. O gasto de ambientação para introduzir personagens tão
irrelevantes é decepcionante.
Isso porquê eu nem fiz questão de lembrar da "besta" (uma Friend corrompida que ataca Friends e humanos), pois é só mais um ponto narrativo perdido.
Existem coisas boas em Kemono Friends 2? Sim, mas até nesses momentos
várias ressalvas devem ser feitas. Por exemplo, temos a introdução de outra
emulação da parte 1, em relação a Arai-San (Guaxinim) e Fennec-san
(Raposa Fennec) que seguiam Kaban na saga inicial, na parte 2 temos uma
Tatu-Canastra e um Pangolim-gigante, que desde o início da saga buscam por
Kyururu. As marcas dessas Friends são principalmente o seu medo e a reação de entrar em "modo bola" (como os animais da natureza), o contraste/paradoxo entre serem detetives dedicadas e intrépidas e se desmancharem comicamente com a ação natural e medrosa da parte animal. Sinceramente, uma escolha de personagem louvável.
Smutsia gigantea. Priodontes maximus |
Mas diferente de Arai e Fennec, elas levam a introdução
de outra boa Friend: A Inu-san (Cachorro doméstico).Inu-san é um bom personagem, porque ela passa toda a
impressão de um cachorro na tela, ou seja, ela é leal, brincalhona e fofa, o que é perfeito para cativar o público
(rapidamente coloquei o selo de “preciso proteger essa existência”). A Friend
canina contratou as detetives para pegar Kyururu, pois ela tinha donos humanos
que fugiram do Japari Park (spoiler: aparentemente que para a lua), mas que prometeram
voltar e ela viu em Kyururu esse sinal de retorno.
Canis lupus familiaris |
Como podemos esperar, não temos a menor resposta para esse
enorme quadro que Inu-san levantou. A palavra da vez é caos. Nada ordena o caos nessa narrativa, não existe luz na escuridão de
fatos tão obscuros. Resumindo, temos três bons personagem em um contexto macro do enrendo totalmente poluído por dúvidas as quais nenhuma é minimamente respondida.
Em Kemono Friends 2 vemos que você precisa de uma boa direção para
ajeitar um roteiro criativo (como se revelou na primeira temporada), mas
claramente confuso. Você precisa de personagens com arquétipos relatáveis, não é
só inserir tsunderes e danderes e achar que está fazendo algo interessante.
A primeira temporada foi um sucesso. Kemono Friends 1 era um jogo que saiu
ao mercado cheio de bugs, com vendas terríveis, mas que depois do anime achou
gás para essa semana (23/09/2019) lançar um Kemono Friends 3 na videogame com relativa fama. Muitos cartazes, chaveiros, camisas, canetas, posteres foram vendidos, o crítico que escreve para vocês tem mangás criados por fans
(autorizados) da saga, chaveiros e cadernos (tudo autorizado, comprado em um
espaço de evento para divulgação da pré-projeto da terceira temporada do anime que já
tem muitos promessas).
Kemono Friends 2 foi um “erro” de direção e narração, produto da
expulsão de Tatsuki do quadro de direção (o mesmo fez Kemurikusa, esse sim o
real sucessor de Kemono Friends 1). A capacidade de Ryuuichi Kimura de ordenar o caos,
desvendar mistérios e jogar uma luz na escuridão do roteiro de KF foi
totalmente provada como diminuta (nesse caso, pelo menos).
Lições que eu deixo para os que futuramente pretendem
empreender na arte de escrever, dirigir, produzir uma obra narrativa, saibam o
equilíbrio entre ser transparente e obscuro, lembre-se que mistério em demasia
é apenas confusão e que ordem em demasia é apenas chatice e tédio. Kemono
Friends 2 provou que é possível deixar tantos buracos em um enredo se valendo
do desejo de ser misterioso e “complexo”.