Paranoia Agent: como criar uma bela estória com uma premissa simples
Normalmente decidimos assistir um anime após ouvir algum comentário interessante sobre ele ou quando entramos em contato com algum conteúdo dele, como uma cena que nos chama a atenção. A animação que iremos analisar hoje, Paranoia Agent, é muito pouco conhecida em nosso país, tornando difícil tais coisas ocorrerem. Farei aqui um breve relato de como tentei pesquisar sobre este anime antes de assisti-lo, e como me surpreendi com a limitada quantidade de informação sobre a trama deste.
Entrei em contato com Paranoia Agent da seguinte forma: gosto muito de escutar aberturas/encerramentos de animes, e um vídeo que sempre aparecia recomendado para mim era “Paranoia Agent Opening”. Certo dia, resolvi assistir tal abertura, para saciar minha curiosidade. Por favor, façam o mesmo, para que possam acompanhar meus pensamentos no momento:
O video foi postado em 2005, e talvez tenha a sido a primeira abertura de anime postada no Youtube (eu testei com o Google, mas outras podem ter sido deletadas).
Poxa, mas que loucura foi essa? Normalmente podemos constatar o gênero de um anime por sua abertura: shonens possuem músicas animadas e vibrantes, geram adrenalina; slices of life músicas calmas; comédias tem músicas animadas e alegres, etc (generalizando um pouco obviamente). A música que toca é super animada e com uma letra que só traz felicidade, porém não tão contagiante. Assim, é difícil deduzir algo somente assistindo essa abertura.
E as cenas mostradas no vídeo? Um monte de pessoas rindo loucamente em lugares desolados, com aquela música super alegre e de letra também otimista - simplesmente não da para saber sobre o que será o anime! Recentemente o mostrei para um amigo, que desconfiou se tratar de um terror, e que ficou perturbado com aqueles rostos alegres. Entendo a reação, mas tal palpite estava muito errado.
E o que fazemos na etapa intermediária, depois que nossa curiosidade sobre o anime foi atiçada, mas antes ainda de começarmos a assistir? Isso mesmo, fazemos uma pequena pesquisa sobre, apenas para saber a sinopse sem spoilers e a recepção que nosso candidato teve (assim como o leitor faz/está fazendo neste blog, não é mesmo?). Ao fazer isso com nosso querido Paranoia Agent, nos deparamos com notas que variam de excelentes para ruins, e comentários como “What the fuck is this anime” (Mas o que diabos é esse anime?), coisas que também atiçam a curiosidade, mas que não dizem muito sobre ele.
Entretanto, a parte mais excêntrica disso tudo é procurar a sinopse sem spoilers, que normalmente traz variações do seguinte:
"Uma série de agressões com taco de baseball feitas por um indivíduo identificado como Shonen Bat, (que em inglês foi traduzido como Lil' Slugger, e em português seria “garoto do taco” , que me lembra o “Cara do Correio” do filme “Salve-se quem puder”, vulgo Postal) ocorrem em Tóquio e dois detetives tentam capturá-lo. Eles se esforçam para identificar um padrão nos incidentes aparentemente aleatórios para prender o criminoso. Mas será que eles conseguirão fazer isso antes da Paranoia os atingir?"
Isso foi o que mais encontrei em minha pesquisa antes de ver o anime, embora por vezes encontrasse textos maiores que claramente trariam spoilers. Pois bem: tal sinopse poderia levar a crer que se trata de uma comédia, um slice of life, talvez um drama, porém, os gêneros atribuídos a Paranoia Agent normalmente são sobrenatural/drama/psicológico/horror/mistério, tornando a situação ainda mais confusa! Afinal, sobre o que diabos será esse anime de abertura tão... insana e com proposta tão... sem sal? Eram pensamentos como esse que me encheram a cabeça enquanto pesquisava.
Agora vamos falar de informações um pouco mais concretas: Paranoia Agent foi escrito por Satoshi Kon, criador de outras obras fantásticas, dentre elas mangás como Opus e Kaikisen, sendo porém mais reconhecido como diretor de ótimos filmes como Perfect Blue e Paprika. O Dissidência Pop já fez um post que consiste de uma coletânea de imagens destes dois filmes e de outras obras de Kon, bem como falou um pouco de sua biografia. Entretanto, deve-se notar que Paranoia Agent foi o primeiro e único trabalho de Kon feito para a televisão.
As obras de Kon tendem a ser relativamente complicadas de se interpretar, possuindo temas psicológicos fortes. Paranoia Agent não é exceção, e deve ser assistido com atenção, assim como os clássicos Neon Genesis Evangelion, Angel’s Egg, e aquele cujo texto foi o primeiro que escrevi aqui para o blog, Serial Experiments Lain. Para aqueles que apreciam animes focados em ação, ou talvez prefiram estórias mais simples, a experiência pode não ser tão prazerosa.
Outra característica forte nas produções de Satoshi Kon é o fato de a fronteira que separa a fantasia da realidade ser muito tênue. As transições entre uma e outra são feitas muito rapidamente, e muitas vezes somos apresentados aos eventos a partir da perspectiva dos personagens, os quais veem o mundo de forma deformada, devido à grande quantidade de estresse que estão vivenciando.
Ao assistir Paranoia Agent, tenha em mente que muitas das coisas são vistas das perspectivas deformadas das personagens.
Em contraste com a abertura, o encerramento é calmo e relaxante. É impressão minha ou os personagens formam um "?" no chão? |
Paranoia Agent possui apenas 13 episódios, e foi produzido pela Madhouse. Foi ao ar pela primeira vez no Japão em fevereiro de 2004, seguindo até maio do mesmo ano. Ouvi alguns boatos na internet de que o motivo para a abertura ser tão animada e caótica é que o anime passava de madrugada, assim a abertura deveria manter o expectador acordado(coisa que essa faz muito bem) e o encerramento deveria relaxá-lo, o que faz sentido, pois o último é de fato muito calmo e relaxante, entretanto, não consegui confirmar esta afirmação. Acredito porém que a abertura também traz algumas mensagens relativas ao tema do anime, e não possuía somente o intuito de deixar o expectador acordado.
Em entrevista[1], Kon conta que, durante a produção de seus filmes, surgiram-lhe várias ideias, mas que não possuíam conexão entre si, e não poderiam ser encaixadas nas produções que estava realizando. Não querendo desperdiçá-las, e já desejando criar uma série de TV, Kon começa a produzir Paranoia Agent, pois este trabalho lhe permitiria usar os temas que já tinha em mente, ao mesmo tempo que lhe daria mais flexibilidade do que um filme, e seria também um bom ambiente para experimentar uma produção com tom mais episódico.
Filmes de Satoshi Kon produzidos antes de Paranoia Agent. Na ordem: Perfect Blue(1997), Millenium Actress(2001) e Tokyo Godfathers(2003). Vale a pena conferir.
Enfim, depois fazer esta pesquisa sobre Paranoia Agent, tomei coragem e fui assisti-lo. Após tê-lo finalizado, creio que consegui entender a dificuldade de falar sobre este anime para pessoas que ainda não o assistiram, afinal de contas, é difícil de conversar sobre ele até com quem já o viu! Entretanto, farei o meu melhor para cumprir esta árdua tarefa.
Primeiramente, vamos falar um pouco da parte artística. A trilha sonora foi composta por Susumu Hirasawa, criador da trilha sonora do anime Berserk, bem como dos filmes Millenium Actress e Paprika, dirigidos também por Satoshi Kon. O resultado foi um acompanhamento musical capaz de imergir o expectador nos momentos tensos do anime, com direito até mesmo a batimentos cardíacos acelerados no meio de algumas músicas. A qualidade geral é boa, mas os destaques são Yume no Shima Shinen Kouen (vulgo abertura), Focus, a música que pode ser considerada tema de Shonen Bat, aquela que quando toca nos deixa a par do ataque que pode ocorrer a qualquer momento, e Kingdom, a qual não se encontra listada na OST do anime, o que é uma pena, pois é muito envolvente e é tocada em um dos momentos mais surpreendentes do anime, o qual não pode ser revelado agora, pois se trata de um enorme spoiler.
Na parte visual, a arte é admirável, possuindo cenários muito bem feitos, que vão de um lixão a um quarto de um otaku, ambos igualmente bem detalhados, além de personagens produzidos em variados estilos artísticos. E, como já havia de se esperar, as cenas mais bem animadas são justamente as sequências que observamos a partir da perspectiva das personagens, pois podemos presenciar as maneiras como Kon consegue expressar os sentimentos de suas criações a partir de imagens, bem como conectar o real com a fantasia.
Agora vamos para a estória: verdade seja dita, a proposta do anime é exatamente o que circula pela internet: dois detetives tentam capturar um garoto que agride pessoas com um taco de baseball. Entretanto, Paranoia Agent é um anime que se destaca não por esta simples ideia, mas por como ela é desenvolvida, pois a estória toma um caminho que simplesmente não se poderia prever baseado somente na situação inicial. Entretanto, ele possui um "defeito" que é justamente o caráter episódico que Kon desejava, pois isso pode tornar a experiência um tanto tediosa para alguns, uma vez que o tom muda muito de um episódio para outro: o protagonista do próximo normalmente faz uma pequena aparição no atual, sem muito destaque, para em seguida receber toda a atenção. Isso torna visível a habilidade que Kon possuía de criar personagens, pois foi capaz de desenvolvê-las, traçando seu passado e fazendo a audiência se envolver com elas em menos de um episódio. Devido ao forte caráter psicológico do anime, é válido ressaltar que, caso o expectador não se envolva emocionalmente com o protagonista do episódio, este pode ser tedioso. Entretanto, o elenco criado por Kon para Paranoia Agent é tão variado que praticamente todo o público pode vir a simpatizar com alguém, indo desde trabalhadores estressados a adolescentes com problemas sociais, e de uma prostitua com problemas psicológicos a homens de família tentando salvar seu lar, seja da doença ou da falta de dinheiro.
Por incrível que pareça, a estória do anime realmente envolve a caça a um jovem deliquente que empunha um taco de baseball para ferir pessoas. Como é que isso poderia ser interessante? R: Nas mãos de Satoshi Kon.
Porém, mesmo que haja a conexão emocional personagem-expectador, este último pode também se entediar devido a não conseguir enxergar uma conexão do episódio em questão com a trama principal. Aqui a dica é tentar "resolver" o mistério reparando nas similaridades dos casos. Isso facilitará muito o processo de encontrar um sentido para o fim do anime.
No primeiro episódio, testemunhamos a primeira agressão, que ocorre com a designer Tsukiko Sagi, criadora do personagem de sucesso Maromi. Para ela, o ocorrido foi uma salvação, pois a livrou temporariamente de seu serviço, que estava muito estressante. Após o evento, a polícia é acionada e começam as investigações. Nos próximos episódios, testemunhamos mais agressões de Shonen Bat, enquanto a polícia tenta encontrar um padrão nestas. Aqui somos introduzidos a este simpático senhor, que narra os eventos do próximo episódio com enigmas, falaremos um pouco mais sobre ele mais tarde:
Depois de alguns casos sem conexão aparente, dentre eles duas agressões com alunos do ensino fundamental, uma com um jornalista, uma com uma prostituta, e outra com um oficial da polícia, um suspeito finalmente é capturado e interrogado, mas as informações que os policiais obtém conforme avançam a investigação parecem cada vez mais contraditórias entre si.
Agora, chegamos a um ponto em que, para prosseguir com a análise, teremos inevitavelmente que falar de SPOILERS, portanto, leia por sua conta e risco. Recomendo que assista o anime e depois volte aqui, para tentar sanar suas dúvidas a respeito de seu curioso final, ou para pelo menos encontrar inspiração para gerar um significado para este. Até logo!
Vamos prosseguir nossa caminhada:
Como já foi dito, Paranoia Agent possui um caráter semi-episódico, assim, a maior parte dos episódios pode ser vista como obras independentes. Eles são tão completos por assim dizer, que cada um poderia render um texto diferente. Por este motivo, aqui o foco será a trama principal, isto é, a investigação do caso Shonen Bat. Incentivo fortemente a discussão individual dos episódios nos comentários.
Depois do primeiro caso, testemunhamos mais aparições de Shonen Bat até que o suspeito Makoto Kozuka é capturado e interrogado. A princípio ele confessa as agressões, porém, depois que os detetives descobrem que o primeiro caso foi uma mentira de Tsukiko, e mais uma aparição de Shonen Bat ocorre com Kozuka preso, ele é interrogado novamente e assume apenas duas agressões. A princípio, as informações parecem contraditórias, mas o detetive Maniwa consegue perceber as semelhanças entre os casos e descobre que Shonen Bat na verdade aparece para quem está "encurralado" de certa forma, e precisa se livrar de seus problemas. A investigação de Maniwa ajuda muito o expectador a processar as informações aparentemente sem conexão que lhe são passadas.
Durante o interrogatório, o policial Ikari acha espantoso como Kozuka não conseguia diferenciar sonho de realidade. Ironicamente, alguns episódios depois é o detetive quem não consegue fazer isso |
Em seguida, Kozuka comete suicídio na prisão, e isso acarreta na demissão dos oficiais Maniwa e Ikari, porém, os casos envolvendo Shonen Bat continuam ocorrendo. No episódio 9, testemunhamos algumas donas de casa contando várias estórias sobre este, mostrando que os boatos se espalharam muito, e existem agora várias "versões" (prefiro pensar em interpretações) de Shonen Bat na cabeça das pessoas, e estórias cada vez mais bizarras começam a aparecer. Conforme o garoto do taco vai ficando cada vez mais famoso, o mesmo ocorre com Maromi, que inclusive chega a ganhar uma série animada.
Misae, a mulher de Ikari, enfrentou o monstro cara a cara e "venceu". Uma das personagens mais interessantes e fortes, sua morte foi uma pena |
Logo após, testemunhamos o encontro de Shonen Bat com a mulher do detetive Ikari, que sofre de uma grave doença. Entretanto, ao invés de esta apenas receber uma paulada na cabeça, ela espantosamente dá um sermão no agressor, e invoca a imagem do marido, que sempre preferiu aceitar a realidade como ela é, ao invés de apelar para sofrimentos e fantasias desnecessárias. A conversa chega a um ponto em que ela diz a Shonen Bat que ele e Maromi são a mesma coisa, fazendo com que este desapareça instantaneamente. Na sequência, Maniwa chega à casa de Ikari procurando por este, mas encontra apenas sua mulher, que lhe conta como conseguiu "espantar" Shonen Bat.
Armado com este conhecimento e com mais alguns conselhos de nosso tão amado velhinho misterioso, Maniwa descobre a verdade: dez anos atrás, Tsukiko deixou seu cachorrinho Maromi escapar da coleira, e disse a seu pai que isso aconteceu porque ela foi agredida por um menino com um taco de baseball. Tal informação demonstra como Shonen Bat e Maromi na verdade são a mesma coisa, pois ambos foram criados inconscientemente por Tsukiko para ignorar a verdade e poder viver feliz. Ao descobrir isso, o jovem detetive passa a procurar por esta, tentando fazer com que ela admita a verdade sobre Shonen Bat.
Enquanto isso, Tsukiko e o detetive Ikari (que estava desesperado depois de perder o emprego) estão vivendo felizes em um mundo de fantasia aparentemente criado por Maromi, afastados da realidade. Entretanto, Ikari continua lembrando de sua esposa, a qual sempre manifestou seu orgulho pelo marido devido ao fato de este aceitar a realidade como ela é. As lembranças fazem o detetive admitir estar vivendo uma ilusão e destrói sua fantasia com um taco de baseball ao som de Kingdom de Husumu Hirasawa, no momento mais épico do anime, e que também sintetiza uma das mensagens deste, a qual é justamente a oposição entre a realidade e as fantasias criadas pelos indivíduos.
Momento mais épico do anime
Depois da grande revelação, as diversas mensagens passadas pelos episódios começam a se encaixar, e é possível trazer um sentido para o anime. Primeiramente, como já sabemos, Shonen Bat não é uma pessoa. Mas o que ele é então?
Acredito que a definição mais precisa seja a de um mecanismo de defesa, algo criado por um indivíduo para trazer alívio temporário ignorando a realidade; pode-se pensar nele também como uma desculpa. A diferença está no fato de que Shonen Bat é uma espécie de fantasia/desculpa coletiva, pois se espalhou por boatos, assim, várias pessoas passaram a utilizá-lo como "salvação" temporária. Tal constatação está diretamente relacionada à abertura, em que vemos as personagens rindo loucamente em lugares desolados: elas provavelmente estão sob efeito de suas próprias paranoias e consequentemente ignorando a realidade desolada que os cerca. Depois de algum tempo, as pessoas também passaram a lhe atribuir outros casos, como observamos as donas de casa fazerem no episódio 9 (ETC), em uma provável crítica ao modo como uma informação pode ser distorcida pelos meios de comunicação e pela própria população. É válido notar que Paranoia Agent foi lançado em 2004, logo antes do surgimento do Facebook e outras redes sociais, ou seja, nessa época Kon nem imaginava a proporção que este fenômeno iria tomar com o advento da internet.
Ao ser interrogada pela segunda vez, Tsukiko cai como se tivesse sido atacada por Shonen Bat, porém, isso ocorreu de forma espontânea, evidenciando a essência deste como um mecanismo natural de defesa gerado pelo indivíduo, para se proteger
Maromi:"Não escute o que ele diz!" Aqui, vemos como Maromi age como um mecanismo de defesa para Tsukiko, impedindo que ela passe pela dor de admitir a verdade |
E quanto a Maromi, que supostamente é também Shonen Bat? Pode-se pensar neste personagem como sendo a "sombra" do garoto do taco, pois ele representa também uma fantasia que deseja trazer conforto às pessoas, porém, de um jeito mais fofo, menos bruto e menos intenso. Eles representam dois lados de uma mesma moeda, e podemos constatar isso no último episódio, em que eles se fundem e observamos um Maromi gigante com uma voz assustadora pedindo para que Tsukiko fuja de seus problemas:
"Corra Tsukiko" - dito em voz grossa. Essa cena me dá arrepios! |
Uma despedida simples |
Shonen Bat/Maromi é "derrotado" quando Tsukiko assume a culpa pela morte de seu cachorrinho, e este responde com um simples "adeus". A despedida foi muito simples... será que isso importa?
Em seguida, somos mostrados à situação de Tóquio dois anos após este incidente. Em contraste com o primeiro episódio, onde as pessoas utilizavam desculpas para evitar compromissos em suas conversas, agora, elas apenas exprimem seus pensamentos com sinceridade. Vemos também os personagens levando suas vidas de modo normal: Ikari continua como guarda, Kawazu continua seu trabalho de jornalista, etc. Temos até um novo ancião misterioso: Maniwa! Ele escreve equações no chão exatamente como seu predecessor, e quando vê o resultado, olha com o mesmo olhar que o velhinho fez no primeiro episódio para o que está à sua frente. O episódio acaba após isso, entretanto, ainda temos mais uma Profecia feita por Maniwa depois do encerramento
"Para começar... A estória que parece ter fim volta a seu começo... Seguindo cada passo e conectando os pontos... você irá encontrar um castelo fantasmagórico que recorre eternamente. Nenhum mistério permanece sem resposta para sempre. E não há resposta sem mistério. Enfim, desejamos a você adeus."
Mesmo depois da grande revelação do anime, o último episódio surpreende mais uma vez! O que será que estas misteriosas palavras significam? Hmm, interpretar isso sozinho é um tanto difícil, então dessa vez, vou pedir a ajuda de Kon.
Em outra entrevista[2], ele cita o fato de que algumas crianças, ao mentirem que estão com dor de barriga para não irem à escola, passam a sentir a dor como se fosse real. Ele continua afirmando que isso é uma espécie de mecanismo de defesa das pessoas, não sendo algo necessariamente mal nem bom, mas que elas são de fato responsáveis por isso. Ele próprio diz ter criado o anime para passar essa mensagem de que não podemos viver sem um pouco de Mōsō (Paranoia, do título do anime), em nossas vidas. Deve-se notar que esta palavra traz uma ideia de fantasia mais forte, no sentido de um delírio. Acho simplesmente maravilhoso como essa entrevista se encerra, com Kon dizendo "Para falar a verdade, esse Mōsō Dairinin é..." e não acaba a frase, mas vemos ele olhando para o expectador. Eu interpreto isso como Kon dizendo: você é o Mōsō Dairinin, isto é, o próprio indivíduo é quem cria suas fantasias para lidar com a realidade.
Kon está olhando para o Paranoia Agent! |
Agora as cenas finais do anime finalmente fazem sentido. O motivo pelo qual a despedida de Shonen Bat foi tão casual é um jeito menos sofisticado de dizer "eu vou mas posso voltar". Assim, a afirmação de Maniwa no final indica que paranoias como Shonen Bat irão sempre existir e que é assim que as coisas funcionam, e isso é respaldado pelas cenas que mostram os personagens e a cidade de Tóquio vivendo normalmente depois do ocorrido.
Agora que já sabemos o que Shonen Bat realmente é, e a mensagem que Satoshi Kon trouxe para nós, é que finalmente podemos perceber uma característica que torna essa obra ainda mais maravilhosa, mas que estava implícita esse tempo todo, que é o modo como Kon conectou tantas narrativas aparentemente desconexas: através de boatos sobre um agressor com um taco de baseball!
No decorrer do anime, e principalmente após a grande revelação, fomos nos esquecendo que este se iniciou com um boato sobre um agressor com um taco de baseball. Isso é ridiculamente simples, mas mesmo com isto, Kon foi capaz de juntar as ideias desconexas que estavam em sua mente, ao mesmo tempo em que misturou isso com a exposição de fenômenos sociais. Na verdade, o que Kon fez foi apenas dar forma física, para algo presente no nosso cotidiano, que são nossas paranoias, chamando nossa atenção para uma coisa que está ali mas que não damos tanta atenção. Isso poderia ter sido feito com qualquer outra coisa, entretanto, a figura escolhida foi a de um garoto agressor ao invés de uma criatura fantástica que livra as pessoas de seus problemas, por exemplo. Assim, o modo como os rumores se espalharam foi mais natural, pois as pessoas, principalmente adultos, desejam desculpas realistas, que tenham uma chance de acontecer mesmo que isso signifique ser agredido por um garoto com um taco de baseball, evidenciando o fenômeno como algo presente em nossa sociedade.
Paranoia Agent é um anime fantástico em todos os sentidos, pois possui trilha sonora e animação espetaculares, estórias envolventes com as quais muitos expectadores podem muito bem se envolver e expõe fenômenos sociais, mas a maior beleza deste se encontra na forma como Kon fez isso, que foi unindo várias ideias com uma premissa simples, ao mesmo tempo em que concedeu forma visual a um fenômeno existente na vida de todos, mas que muitas vezes não damos a devida atenção. Em sua vida muito provavelmente houve ou haverá um Shonen Bat para fazê-lo esquecer da dura realidade, e agora você sabe da existência dele. Espero ter sido capaz de ilustrar a enorme qualidade da obra através deste simples texto, que encerro desejando ao meu caro leitor uma simples paulada do garoto do taco, para livrá-lo de todos seus problemas:
Epílogos
O velhinho misterioso sempre aparece após os encerramentos para nos contar uma profecia em enigmas sobre o próximo episódio. Ele se refere aos personagens envolvidos com nomes de animais, os quais são na maioria das vezes similares foneticamente, e alguns podem ser facilmente descobertos pelo expectador após assistir o anime pela primeira vez. Entretanto, não pude encontrar uma relação com todos os nomes, então organizei aqueles que consegui decifrar em uma tabela, para futuras consultas. Deve-se notar que, para fazê-la, utilizei a versão legendada em inglês disponível no site gogoanime.com (que eu já possuia baixada em meu computador) pois não domino a língua japonesa. Os nomes reunidos aqui foram obtidos utilizando minha interpretação e forçando meus ouvidos para identificar as palavras, ou seja, são passíveis de erro. Segue a tabela:Notas
[1] Original em
https://web.archive.org/web/20051211185440/http://plaza.bunka.go.jp/english/festival/backnumber/winners_i/p22/kon.html
Trecho Referenciado:
Interviewer: [...] Let's take a look at your next work. "Paranoia Agent" is a series for TV, which marks a dramatic change from your previous films for the cinema. What prompted you to do that?
Satoshi Kon: During the makings of my previous three films, a mountain of unused ideas for both stories and arrangements has piled up in my drawers. Not that I dropped them because they weren't good enough, but they just didn't fit into any of the projects. It hurts to see material go to waste, so I looked for a chance to recycle it. Plus, in the case of a film to be shown at theatres, I'm working for two years and a half, always in the same mood and with the same method. I wanted to do something that allows me to be more flexible, to realize instantly what flashes across my mind. I was also aiming at a sort of entertaining variation, so I decided to go for a TV series. [...]
Tradução feita por mim:
Entrevistador:[...] Vamos falar de seu próximo trabalho. "Paranoia Agent" é uma série de TV, e indica uma mudança radical em relação aos seus filmes anteriores para o cinema. O que o levou a fazer isso?
Satoshi Kon: Durante a produção de meus três filmes anteriores, uma montanha de ideias não utilizadas para ambas as estórias havia se acumulado em minhas gavetas. Não que eu as tenha abandonado por não serem boas o bastante, mas elas simplesmente não se encaixavam em nenhum dos projetos. Dói ver material ser desperdiçado, então procurei uma maneira de reciclá-lo. Além disso, no caso de um filme exibido em cinemas, eu trabalho por dois anos e meio sempre da mesma maneira. Eu queria fazer algo que me permitisse ser mais flexível, e fazer instantaneamente o que viesse na cabeça. Eu também procurava por uma mudança que me entretesse, então decidi fazer uma série de Tv [...]
[2] Vídeo disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=1GsfWyhMip8
Trecho referenciado(5:08~5:22):
Interviewer: There must be many fans enthusiastically waiting. Do you have a message for them?
Satoshi Kon: Let's see. Well... to tell the truth this Paranoia Agent is...
Tradução feita por mim:
Entrevistador: Muitos fãs devem estar esperando ansiosamente. Você tem uma mensagem para eles?
Satoshi Kon: Vamos ver. Bem... para falar a verdade esse Paranoia Agent é... (e olha para o expectador)